quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Blogueiro é o novo jornalista?

Saiu uma matéria na Super Interessante dizendo que a tecnologia mudou o jornalismo. Concordo em partes, em geral a grande mídia mostra e defende apenas os interesses de uma parcela da sociedade e às vezes até manipula as informaçoes, mostrando apenas um lado da moeda, mas se um cidadao comum está com uma camera ou tem um blog e pode expressar sua opiniao, relatar os fatos com provas concretas e assuntos pertinentes, acho que o jornalismo vai sim perder muito espaço (nao é o caso de haters ou revoltosos de facebook que criam lendas urbanas sem provas do que estao falando). 
Posso citar como exemplo o Rene Silva, um jovem negro, morador do morro do Alemao, no Rio de Janeiro, criou A voz da comunidade e relata os acontecimentos da favela, ele ganhou uma certa notoriedade internacional, já participou de eventos nos EUA, no Reino Unido e participa de vários outros no Brasil.
Tem uma adolescente de Santa Catarina que denuncia os problemas da escola pública em que ela estuda.
A blogueira Lola tenta dar voz ao feminismo, recebe e divulga muitas histórias de mulheres leitoras que passam por situaçoes chocantes e alerta sobre um problema grave de feminicidio, violencia doméstica, tema que a sociedade ainda considera tabu e faz vista grossa, mesmo sabendo que a violência de gênero matou 50.000 mulheres em 10 anos no Brasil.
Poderia enumerar varios blogs que sigo de gente do mundo inteiro mostrando uma visao diferente de tudo o que estamos acostumados a ver, mas o que me chamou a atençao quando cheguei aqui no Canadá e passei a ver programas de TV daqui e dos EUA, notei que os blogueiros participam como comentaristas ou jurados em programas de decoraçao, literatura, culinária, moda, música, atualidades, de turismo e até de politica. 
Chegar aqui me fez livrar de muitos preconceitos, um deles era de achar que quem tem opiniao (os donos da verdade) tem que ser especialista com PhD em algum assunto especifico e nao é bem assim. Um dos casos mais famosos foi o da blogueira Julie que virou filme, Julie e Julia, dirigido pela Nora Ephron. Blogueiro é antes de tudo amador, ser amador nao é um termo pejorativo como se ouve muito por aí, ou seja, é quem faz por amor sem esperar nada em troca, é um prazer.
Um fato curioso é que nos brasileiros achamos que só gente estudada merece espaço, um exemplo é o ex-presidente Lula, todo xingamento que a gente ve em relaçao a ele, menciona o fato de ele ser analfabeto, mas fora do Brasil as pessoas escutam o que ele tem a dizer, tanto que as palestras e os discursos em grandes eventos como os da ONU sao muito bem recebidos e respeitados. O Bono Vox, vocalista do U2, comparou-o com o Mandela, mesmo sem nunca ter ido a uma faculdade, recebeu uma dezena de titulos de doutor honoris causa das universidades mais conceituadas do mundo, entre elas a Politécnica de Lausanne (Suíça) e a Sciences-Po (Institut d'Etudes Politiques de Paris), ainda tem uma coluna no New York Times, mas a arrogância tupiniquim, o tribunal do facebook nao dorme, tem que desmerecer tudo o que brasileiro 'comum' faz, inteligente mesmo é o homem, branco, heterossexual, bem-sucedido, estudado. Esses sim, acham-se superiores, mas nao têm o mesmo reconhecimento, por isso ficam raivosos. Às vezes a experiência de vida é mais interessante que teorias academicas. Entao quando lhes faltam argumentos, partem para o slut shaming ou para a correçao do portugues, tática rasa e baixa de mostrar quem é que manda (por pouco tempo, porque vamos mudar isso).
No Brasil as vozes nao sao ouvidas, tem sempre aquele tipo de perguntas típicas de repressao: Quem você pensa que é? Quem é você na fila do pao? Voce sabe com quem esta falando? Entao as pessoas tendem a nao ter opiniao sobre determinados assuntos, elas perdem o interesse em pesquisar, em procurar saber a verdade, é muito comum ver, principalmente em redes sociais, a disseminaçao do ódio, o xingamento gratuito do que ver reflexoes sérias sobre os problemas da sociedade. Tudo isso é sim herança de uma sociedade classista, com resquícios escravagista e ditatorial de querer resolver tudo com repressao, 'porrada, tiro e bomba', como diz o funk.
A verdadeira democracia consiste em ouvir todas as vozes, independente de raça, cor, classe ou religiao. Por que o branco tem que menosprezar a opiniao do negro quando ele tem algo a dizer? Por que o homem tem que chamar uma mulher de histérica quando ela aponta um problema? Falta empatia, colocar-se no lugar do outro, tentar entender a realidade do outro que muitas vezes é bem diferente da nossa.
Estava vendo um video no youtube que a vlogueira falava de Dostoievski, ai vieram os especialistas nos comentários dizendo com toda a arrogância e prepotência do mundo discordando com tudo, haja saco! A Tatiana Feltrin até fez um video muito bom com o tema: Afinal, quem tem cacife para falar de literatura?
Livros, cinema e arte em geral nao foram feitos para especialistas, foram feitos para gente comum, sao elas que sustentam as livrarias, as editoras, os museus e a industria cinematografica, entao a opiniao dessas pessoas consumidoras sao importantes sim, senhor, quer voce goste ou nao, supere com valium e vodka. Se eu digo que gosto de Godard e de Tarkovski é porque gosto, mas tem gente que me chama de pseudo-intelectual por isso. Quando essa gente me provar que esses cineastas só fizeram filmes para especialistas eu paro de ser 'pretensiosa' e deixo de gostar deles.
Este blog é o mais despretensioso da terra, escrevo por hobby, mas foi aqui que pela primeira vez vi que minha opiniao conta, exatamente quando falei de um documentário sobre o Tarkovski que ia passar na Mostra de Cinema de Sao Paulo. Nao é que o cineasta russo que fez esse documentário me mandou uma mensagem agradecendo por falar do trabalho dele e do Tarkovski por aqui? Eu fiquei chocada, sem entender nada, pensei: Quem sou eu na fila do pao? Por que ele veio falar comigo? Quase ninguém le esse blog, ainda mais posts imensos como este.
Por esses dias, depois de falar deste filme e mencionar a autora do livro, ela  retuita o meu post para o mundo inteiro. Eu com meu complexo de vira-latas fiquei chocada de novo, como assim?

Descobri que tenho voz, mesmo tentando na maior parte do tempo ser invisível, mesmo que os leitores cheguem aqui pelo sistema de busca, sem falar a minha lingua, mas traduzem o texto no bing ou no google tradutor. Eu percebi que nao preciso ser especialista em nada, basta eu ser sincera comigo mesma e com os livros que leio ou os filmes que vejo.
A Lidia escreveu um post sobre reflexoes do mestrado dela que concordei inteiramente, pois foi algo que também estranhei positivamente, ela comentou sobre a diferença dos professores universitarios daqui e do Brasil, os daqui sao super acessiveis, diferente os professores pomposos e arrogantes do Brasil, como narrou a Talita Ribeiro. No Brasil, os especialistas consideram-se deuses, nao gostam de serem questionados, eles deveriam ouvir mais, participar mais da sociedade, ganhar a simpatia e o respeito das pessoas, fazer com que elas se interessem pela pesquisa e popularizar mais a ciencia. Vida de estudante nao é facil, mas eles querem transformar em um calvário. Só acho que diplomas nao dao o direito a ser escroto com quem nao teve as mesmas oportunidades. Isso deve ser um dos fatores das pessoas terem baixa auto-estima e nao confiar nelas mesmas, de se sentirem incapazes, é uma espécie de cabresto imposto pelo sistema para deixar todo mundo pianinho e caladinho, com medo de se expor.

Apoio as campanhas: "Menos arrogancia e mais humildade" e a "Mais amor, por favor". Fim.


6 comentários:

  1. a gente estranha essa *voz*, né? blogs acabam se tornando armas perigosas se mal utilizados ....

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  2. ADOREI o texto. Ando bem "cheia" de pessoas cheias de razão que na verdade não tem ideia do que estão falando....

    Beijocas

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  3. Adorei...me fez pensar em algo mega pedante que li essa semana em um blog pedante! Sera que foi sua fonte de inspiraçao tb?!
    ;)


    bjocas
    Erika

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    1. ultimamente eu prefiro nao ler nada pedante, aprendi a filtrar bem minhas fontes de informaçao, nao podemos alimentar os haters senao já viu, mas no geral eles sao todos iguais, inpirei-me em vários rsrsrsrsrs

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  4. Oi, Ana!
    Para ser blogueiro não basta ter um blogue, visto que qualquer um pode ter um blogue. A vantagem de ser blogueiro é que você pode escrever aquilo que realmente pensa sobre um assunto. Ou não, pois existem muitos blogueiros hipócritas que vestem um personagem para conquistar leitores. Mas a mentira não dura para sempre.
    A Lola é uma jornalista que deu certo como blogueira. Como jornalista ela não tinha muita visibilidade. Talvez por ter que seguir pautas e linha editorial das empresas que prestou trabalho. Ela deu um tapa na cara dos jornalistas que pensam que ter um blogue é retroagir na profissão. A não ser que o blogue esteja atrelado a uma fonte de comunicação maior.
    Sob o meu ponto de vista, o jornalista que não levanta da cadeira, que não vai à campo, que não faz o verdadeiro trabalho de reportagem, não pode ser considerado um jornalista. Qualquer um pode catar informações da internet e montar uma matéria - isso não é jornalismo.
    Sobre a arrogância dos brasileiros, já senti isso na pele quando o meu blogue foi indicado ao Weblog Awards - Os blogueiros que se sentiam melhores simplesmente ignoraram e foi dos blogueiros estrangeiros tive um apoio espantoso! Nessa época conheci os dinossauros da blogosfera de forma a sentir que lá fora, os blogueiros se unem para fortalecer o nicho, enquanto que aqui existe uma disputa que beira a infantilidade. Talvez esse seja o motivo da blogosfera brasileira ser tão desunida e estar cada vez mais enfraquecida. Sozinhos não vamos à lugar algum.
    Talvez a arrogância dos blogueiros seja apenas o espelho da nossa sociedade, formada por uma maioria deslumbrada, que olha mais a aparência do que para o conteúdo e que ter um "título" qualquer lhe dá direito de se sentir melhor que o outro.
    Vou citar um pensamento de Cora Coralina para traduzir o que penso sobre o que deveria ser a interação entre as pessoas, sejam elas virtuais ou não:
    "Não sei...
    Se a vida é curta ou longa demais pra nós,
    Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
    Se não tocamos o coração das pessoas"
    Beijus,

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  5. Ai, Ana, é isso, é tão isso!
    Eu não consigo entender como ainda existe gente que a essa altura do campeonato - Internet colaborativa, meodeos, estamos no futuro! - ainda se sente no direito de se achar, de vomitar superioridade para cima de quem quer que seja...

    Como você comentou aí, eu também filtro muito, filtro demais as minhas fontes de informação e não dou audiência nem para Trolls nem para Haters...

    Eu também acho estranho gente que tem raiva da Internet. Porra, não tem como odiar isso aqui, é um troço que tá mudando a maneira da gente fazer tudo, não apenas o jornalismo. Já parou para pensar como era a imigração antigamente? As pessoas chegavam em um país novo sem saber nada, já pensou se nós tivéssemos vindo parar no Québec acreditando apenas naqueles folders do BIQ? Era da informação, beibe, eu só posso amar e visitar os blogs menos visitados - geralmente são os melhores! ;)

    Beijos,
    Lidia.

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