sexta-feira, 8 de julho de 2016

Leituras sobre imigraçao: Danièle Henkel

Além de varios projetos de leitura que participo : 10 classicos franceses em francês, 100 livros essenciais da literatura canadense, leituras feministas do Our Shared Shelf, Clube dos Classicos Vivos, #LeiaMulheres, Literatura na sétima arte e 14 ganhadoras do Nobel de Literatura, agora acrescentei livros sobre imigraçao. Comecei lendo « Americanah », da Chimamanda; em seguida li « RU », da Kim Thuy e o ultimo lido é um livro de memorias chamado « Quand l’intuition trace la route », da Danièle Henkel.
Eu estava em um café e a vi na televisao dando uma entrevista e promovendo o seu livro, gostei do que ela estava falando. Para minha alegria, o livro estava disponivel na Biblioteca Digital, fiz download e li em dois dias.

O livro começa com a historia da mae dela, Eliane Zenati, uma judia de origem italiana por parte de pai e marroquina por parte de mae. Era analfabeta, sua mae dizia que mulher nao precisava estudar, entao ela fazia os serviços domesticos e cuidava da avo doente. Aos 11 anos ela arrumou um trabalho em uma padaria/confeitaria francesa. Trabalhava tao bem que a dona ao falecer, deixou em seu testamento que ela seria a herdeira do negocio. Nao foi facil assumir o comércio por questoes burocraticas, afinal ela era uma mulher analfabeta em um pais extremamente machista que tentava dificultar as coisas para ela. Estamos falando do Marrocos, 70 anos atras. Ao tomar as rédeas do estabelecimento, os negocios foram de vento em popa, ela enriqueceu e era umas das pessoas mais influentes da cidade, tinha motorista e guarda-costas, so homens do alto escalao do governo ou grandes empresarios que tinham essas mordomias.
Além disso, era mae solteira de duas crianças de pais diferentes. Teve um filho e em seguida teve a Danièle, sendo esta filha de um soldado alemao que fazia parte da Legiao Estrangeira, prometeu que voltaria para casar, mas nunca voltou. A dona Eliane acabou se involvendo com um outro homem traste que adotou o filho dela. Ao terminar o relacionamento, ele começou a chantagea-la dizendo : Ou você passa para o meu nome todos os seus bens ou eu levo o seu filho comigo. Pois pela lei, o pai, mesmo adotivo, fica com o filho. Ela passou os bens para ele que em 4 anos perdeu tudo, pois como disse, era um traste, zero à esquerda, enquanto ela ficou na rua da amargura, com duas crianças, vivendo de favor.
Sairam do Marrocos e foram viver na Argélia, outro pais norte-africano completamente instavel politicamente e dona Eliane voltou ao mundo dos negocios ao se associar com um homem que era alcoolatra, apaixou-se por ela, nao foi correspondido e suicidou-se. As autoridades queriam culpa-la pela morte dele, levou-a presa e ainda foi torturada. Afinal de contas, era uma judia em um pais muçulmano. Segundo narra sua filha, apos esta prisao, ela nunca mais foi a mesma.
Agora vamos falar de Danièle, filha de mae judia e pai alemao que ela nunca conheceu, vivendo em um pais muçulmano e entregue a um padre catolico para ter educaçao crista. Formou-se em Relaçoes Internacionais, aos 19 anos teve um casamento forçado com um amigo de seu irmao. Aos 21, ja era mae de duas meninas e mais tarde teve um casal, somando 4 filhos. Conseguiu um emprego no Consulado Americano e sua vida era observada pela Inteligência Argelina e pelos americanos, inclusive tinha escuta telefônica em sua casa, pois os dois lados tinham medo de espionagem.
Cansada dos perigos, da invasao de privacidade, de guerras e de ser apatrida (o passaporte dela foi emitido pela ONU como sendo uma pessoa sem patria), em 1990, aos 34 anos, ela resolveu imigrar para o Canada com a familia, mesmo a contra-gosto do marido.
Chegando aqui, ela achava que por ter trabalhado em multinacionais e no Consulado Americano, falava inglês e francês fluentemente, conseguiria um emprego com salario à altura que ela tinha na Argélia, mas ai ela teve aquele choque de realidade que todos nos temos : Aqui ninguém te conhece, você nao tem experiência de trabalho canadense e você nao é ninguém, mesmo que você tenha uma bagagem interessante de estudos e trabalhos. O marido era engenheiro, trabalhava para o governo, chegando aqui o diploma dele nao foi reconhecido, se quisesse trabalhar na area, teria que refazer a faculdade. Uma das coisas que vem depois da imigraçao é a separaçao do casal (fato!), ainda mais ela que casou forçada.

« Je me sentais humiliée. Je savais qu’il me serait difficile de trouver rapidement un travail correspondant à mes compétences, mais jamais je n’aurais imaginé que l’on puisse être déconsidéré de la sorte. Malgré un comportement on ne peut plus professionnel, des documents de présentation exemplaires, une expérience internationale et de très bons salaires en Algérie, je ne semblais avoir aucune valeur professionnelle aux yeux de ceux auprès de qui je sollicitais un emploi. Triste réalité dont je n’étais pas la seule victime et à laquelle beaucoup trop de gens sont encore confrontés. 

Ahmed se heurtait à toutes sortes de difficultés dans sa recherche d’emploi. Ses diplômes n’étaient pas reconnus, et ses compétences, encore moins. On allait même jusqu’à lui conseiller de retourner sur les bancs d’école et on lui refusait la plupart du temps des entrevues, sous prétexte qu’il ne maîtrisait pas l’anglais. Il ne trouvait rien. Ça n’avançait pas pour la famille. D’ailleurs, jamais il n’a retrouvé un emploi dans le domaine du génie ou à la hauteur de ce qu’il avait accompli en Algérie. Cela le minait. Déjà mal à l’aise avec une situation qu’il subissait contre son gré, il vivait très mal les échecs et les multiples revers liés à sa recherche d’emploi. Il se sentait terriblement dévalorisé et inutile. Il se renfermait, presque honteux, en lui-même. Je crois que cela l’a marqué à jamais et a affecté profondément notre vie de couple, qui n’y a pas survécu.»

Ela teve seus momentos de altos e baixos, vendeu produtos da Tupperware, fez um curso de agente imobiliario achando que ia dar certo na area, mas percebeu que aquilo era uma panelinha que ela nunca seria convidada a fazer parte. Lembrei do curso que fiz…. No comments, only regrets. Ela me fez perceber o quanto eu vim despreparada, mesmo achando que tinha me preparado para o que der e vier.
« Ce déménagement en terre étrangère m’a fait comprendre, entre autres, l’importance du logement et du travail pour retrouver ne serait-ce qu’un semblant de dignité. Sans ces prémices fondamentales, même une estime de soi construite sur des bases solides, comme l’était la mienne, peut être fortement ébranlée. Aujourd’hui encore, je pense à tous ces gens qui vont s’installer dans un autre pays. Je pense à tous les efforts qu’ils doivent déployer pour conserver leur fierté, leur confiance, et je vois combien le simple fait d’être traité convenablement est fondamental d’une bonne intégration sociale, de la réussite, du bien-être et tout simplement de la vie. »

Seu primeiro emprego foi na CLSC, um orgao de assistência social para pessoas desfavorecidas, com problemas familiares, jovens delinquentes, ou seja, um ambiente completamente deprê para quem esta passando por um momento dificil na vida. Ela conta que ia trabalhar vestida com as mesmas roupas vestia para trabalhar no Consulado e virou motivo de chacota.

« Ma première journée de travail a été un choc. Je m’étais habillée comme lorsque je travaillais au consulat. Erreur ! J’ai vite constaté que ma tenue vestimentaire n’était pas adéquate. Je ne travaillais plus dans un consulat avec des hommes d’affaires, mais dans un CLSC d’un quartier défavorisé. »

Sem falar no complô contra ela vindo de uma funcionaria mesquinha (sempre vejo historias deste tipo no forum immigrer, ainda bem que nunca aconteceu comigo, parece que so acontece em Montréal, pois todos que falam disso moram la).

« Je n’étais pas au bout de mes peines au CLSC. Il n’y avait pas une semaine que j’y travaillais que j’ai dû faire face à une employée de longue date, Mary, une femme forte et bien en chair, qui a très vite commencé à me ridiculiser et à me dénigrer. Elle ne semblait pas apprécier mon attitude, le fait que j’aborde la clientèle avec une certaine déférence ni même les robes que je portais… Elle avait de l’influence sur plusieurs employées, à qui elle laissait croire que je m’organisais pour être dans les bonnes grâces du coordonnateur.
— Pour qui tu te prends, habillée comme la femme du premier ministre ? Tu cherches à avoir de la promotion par tous les moyens ? »

Finalmente ela conseguiu colocar a vida nos eixos, ganhou uma bolsa para estudar Comércio Exterior e depois partiu para o mundo dos négocios. Tudo começou quando ela lembrou dos banhos publicos (hammams), muito comum no mundo arabe, que tem um ritual de esfoliaçao e deixa a pele das mulheres hidratada e macia. Entao ela percebeu que no Canada nao tinha a luva de esfoliaçao, foi ai que ela teve a ideia de importar e hoje o produto é vendido em todas as farmacias (quem quiser comprar, chama gants d’exfoliation Renaissance).

« Un soir, je suis rentrée chez moi encore plus fatiguée qu’à l’accoutumée. J’avais mal à l’âme et aux muscles. J’ai pris une douche très chaude dans l’espoir de retrouver cette sensation de bien-être et de détente propre aux hammams. Le rituel de l’exfoliation me manquait. J’avais besoin d’être revigorée et stimulée. À ce moment-là, j’aurais payé cher pour avoir un gant d’exfoliation de chez nous… Mais voilà ! C’était peut-être ça, l’idée que je cherchais ! Pourquoi ne pas en créer un ? »

Nao parou com as luvas nao, criou um centro de estética e o LSIA (Laboratorio cientifico de intolerâncias alimentares), pois sua mae tinha problemas de saude relacionados com a alimentaçao, mas no Canada nao tinha nenhum especialista em doenças alimentares. Em um evento médico na Alemanha, apos ler um cartaz no stand : « Comer saudavel pode te deixar doente », ela decidiu abordar os médicos deste stand para saber mais sobre isso e descobriu que era uma teste que diagnosticava hipersensibilidades alimentares. Entao ela resolveu exportar também. Quem desconfia ter algum tipo de intolêrancia pode ir a um dos laboratorios dela fazer os exames.
Hoje ela é uma femme des affaires bem sucedida, participou de um programa na TV ICI Radio-Canada, ganhou varios prêmios empresariais, da palestras, conferências, etc.

« L’un des grands paradoxes de la vie est qu’il faut souvent passer par la douleur pour accomplir de belles choses. J’aimerais tellement que ce ne soit pas nécessaire. »


É uma historia bonita e inspiradora, mesmo sabendo que a mesma formula nao se aplica à minha pessoa. Odeio the business world. Eu so quero uma vida simples, conseguindo um trampo definitivo na minha area ja estaria de bom tamanho. Porém, ela fala de outras coisas que para mim foi de grande utilidade. Valeu a pena a leitura. Recomendo aos expatriados que estao aqui, se vocês têm a carteirinha da biblioteca é so pegar a versao digital no site,  o download é valido por 20 dias.

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